sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Emaús

EMAÚS

Deixe-me escrever esta carta
Enquanto é tempo.
Enquanto a chuva não vem .
Enquanto a Lua cresce,
e o silêncio da noite
é quebrado apenas
pelo murmúrio da Fábrica,
E o tic-tac do relógio.



Quando eu me encontrava preso
Numa prisão sem grades
De delírios e alucinações.

Quando o universo se acabava a cada dia.
E o tempo não tinha sentido.

Eu era como bêbado errante
Vaga nau de insensatos

Pedia pela morte
E ela não vinha.
E Ela não veio.

E esse tempo se foi.
Eu cresci e me tornei adulto na tortura.

E do delírio fiz um amigo...

Ainda as correntes me amarram
E os gritos podem ser ouvidos.
Ainda a delicada presença da loucura,
De tempos em tempos,
Abatendo-se em meus pensamentos.


Das trevas aqui narradas
Pouca coisa eu falo a ti.

Esse é meu Mundo
Ninguém nele entra

Pois quando entra perde sua própria vida,
é a morte da alma.

Eu cuido dele
Guardo para que não se quebre.
Sorrio, assisto, ando, falo.
Penso e resisto
Dialogo com Cristo.

Estive em muitas batalhas
Vi corpos despedaçarem-se
Em minha frente.

Estive em terras distantes.
Outros planetas, sistemas...
Fiz revoluções.
Tomei o poder,
-abdiquei.

Não tinha nada no espaço de meu ser,
Que pudesse ser chamada amizade.

Não tinha cachorro, gato
Olhar feliz

Não tinha medo,
Tinha pavor.


O ódio aquecido
Guardado e triturado nas entranhas da alma
Vomitava na minha pele.

E o cheiro de náusea era um gosto de
Enfim...

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Então hoje tenho o Sol
E a bandeira do Divino

Hoje a memória guarda
A passagem do tempo.

Não como ferida.
Cicatriz...

Marca profunda na pele
No cabelo de neve
No branco da barriga.

Na pupila distraída
Ao longe
Longe...

Como um véu
Sobre o saber,
E o esquecimento.


Quando ainda oro no quarto escuro
E a vela, ao acender-se,
Luta contra a morte
Até quase se apagar.

E a chama vence e festeja o calor.
Penso no nosso domínio,
Naquele que um dia será um lar.

Emaús.




Não de um
Nem de dois.

De centenas
Ou milhões...

Daqueles que pedirem

Abrigo Amigo

Daqueles que sofreram
E buscaram perguntar:
Para que somos?

Porque nos tornarmos seres sofridos,
Sofredores na mente
Na ansiedade última,
Na angústia
De querer saber,
E conhecer,
O que é proibido.


Senhor!
Dizem eles.
Dá-nos Abrigo
Amigo.
Morada,
Sagrada!


Para curar nossas chagas abertas,
Da ilusão e do Terror.

Dá-nos a esperança da criança!
Há tens de sobra sabemos.

Pois dizem que fizeste,
Este caminho há anos...
E tiraste a conclusão sobre o teu estado.

Não Senhor,
Não nos abandones!

Sejamos nós os que acenderão as velas,
Dirigirão as preces
E escolherão as flores.

Sejamos nós aqueles
Que Ele te indicou
Para curar.

Como Francisco aos leprosos
E Thereza aos indianos.


Eu ouço isto e vejo.
Uma pedra na entrada,
Alta como dois homens

E uma oração escrita nela
Gravada assim:



Abençoado sejam
Os que buscam,
Porque encontrarão.

Felizes os que sonham,
Porque terão o futuro.

Meu pão é teu pão
Meu corpo é teu corpo
Meu amor é o amor
De ti ao Pai.


Mondaí , 29 de Outubro de 1998

Um comentário:

  1. Intrigante...
    Dá pra sentir...
    Triste...
    Gostei de conhecer!
    Abraços,
    Carine.

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